O olhar da neurociência para a educação traz resultados, melhora o aproveitamento de um conhecimento adquirido e ajuda a entender as necessidades de cada estudante.
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Felipe Caixeta
Quando chega para trabalhar na Escola Municipal Alaíde de Oliveira Sales, em Sarzedo (região metropolitana de Belo Horizonte), Maria Suely Ramos Nogueira sabe que ensinar é muito mais do que transmitir conhecimento. Suely atua como Diretora pedagógica na escola e lida todos os dias com mais de 400 estudantes, entre as idades de 6 e 12 anos. Ela enfrenta dilemas e administra questões como o rendimento diferente entre turmas semelhantes e como tornar o aprendizado mais eficiente para os estudantes.
“São muitas formas de engajar uma turma e entender como a aprendizagem acontece. Essa consciência favorece nossa ação de ensinar e permite a escolha de estratégias que melhor atendem ao estudante. Um aluno compreendido em sua individualidade vai se sentir mais acolhido por estratégias que o conduzem para uma aprendizagem mais significativa”, relata. Suely é formada em Pedagogia e especialista em Neurociência e Educação: bases neurofisiológicas do aprendizado, curso do IEC PUC Minas.
Com uma experiência de 20 anos na área da educação, não foram poucas as vezes em que acolheu colegas professores e famílias de estudantes preocupados com o rendimento escolar. Para Suely, o educador precisa estar atento ao contexto de vida de cada estudante e procurar sempre capacitação. “Uma família disfuncional – onde as necessidades materiais, sociais, afetivas e culturais dos integrantes não são atendidas em sua totalidade-, possui dificuldades de contribuir com um ambiente favorável à aprendizagem do aluno”, pontua.
Nesse contexto, cabe à escola e ao profissional da educação uma atenção maior aos fatores da aprendizagem. “Os conceitos da neurociência ajudam a compreender como atuar na ativação dos neurônios relacionados à aprendizagem usando metodologias ativas. É possível limitar as distrações dos alunos e facilitar a compreensão em sala de aula, tornando o processo de ensino e aprendizagem mais eficaz”, exemplifica.
E se fizermos as contas, pensando em quanto tempo o aluno da educação básica passa na escola, chegamos a cerca de treze anos, cada um com no mínimo 200 dias de aula. Fica fácil perceber que os estudantes terão muito de seu sistema nervoso impactado e formado pela ação de ensinar de um docente.
Para o assessor pedagógico do grupo Bernoulli Educação, Prof. Dr. Márden Pádua, os conceitos neurológicos completam o repertório pedagógico de um educador. “Um exemplo simples da prática da neurociência que estimula o interesse e o aprendizado é um professor sempre começar uma aula expositiva retomando conceitos trabalhados anteriormente. Isso é fundamental para o cérebro porque facilita a criação de sinapses cerebrais. O simples ato de retomar o que foi anteriormente trabalhado em sala de aula permite fortalecer um conceito fundamental da neurociência que é a repetição. Já na hora de terminar uma aula, o mais indicado é fixar o conteúdo com uma atividade prática, por exemplo”, pontua.
O Prof. Márden, que atualmente é aluno do curso Neurociência e Educação: bases neurofisiológicas do aprendizado, atua na capacitação de professores e coordenadores nas escolas da rede Bernoulli em todo o Brasil. “A neurociência nos dá a comprovação científica de práticas pedagógicas que temos há muito tempo. Essa área de estudos tranquiliza o professor e dá o suporte que faltava reforçando o papel do educador”, defende. Dessa forma, não estamos falando de um conjunto de dicas, mas sim de uma área de estudos consolidada dando origem a estratégias cognitivas que fortalecem o processo de aprendizado.
“Orientamos nossos alunos a não estudarem apenas de uma forma, como em longas horas de leitura. Pausas são necessárias. Intervalos após 40 minutos de estudo aumentam a produtividade. Além disso, quando o aluno fala o conteúdo em voz alta ou troca ideia com o colega sobre o assunto, consegue melhor aproveitamento”, completa.
Outra realidade atual é a enorme quantidade de informações a que somos expostos. Não há dúvidas de que grande parte delas é redundante ou até mesmo desnecessária. A coordenadora do curso Neurociências e Educação: bases neurofisiológicas do aprendizado do IEC PUC Minas, Profª Drª Flávia Lage Pessoa da Costa, confirma que ensinar baseando-se em evidências neurocientíficas ajuda na melhoria da qualidade das relações de ensino e aprendizagem e no desenvolvimento das competências socioemocionais dos estudantes potencializando o desenvolvimento integral deles.
“Conhecer o sistema nervoso, suas estruturas e funcionamento auxilia educadores e estudantes a identificarem fatores que afetam a aprendizagem e estimula a adoção de comportamentos e técnicas mais adequados ao ensino. Saber que o índice de hidratação pode afetar processos atencionais; saber que dormir bem afeta a formação de memórias e, consequentemente, o aprendizado ou que o cérebro é social e, que, portanto, necessita de relações empáticas para aprender são conhecimentos que recrutam o exercício de simples atitudes, mas que podem impactar de forma considerável no neurodesenvolvimento”, explica.
Dessa forma, memória, atenção e aprendizagem são processos intimamente ligados. No caso da memória, de forma simplificada, a Profª Flávia explica que se trata de um evento que contempla três etapas: a aquisição, que corresponde ao que chamamos de aprendizado; a formação e a consolidação; e a evocação, que corresponde ao resgate de uma informação. “Uma criança desatenta provavelmente terá dificuldades na seleção e coleta de novas informações, o que implicará em dificuldades de formação de memórias e consequentemente de aprendizagem”, alerta.
Aprendizagem inclusiva
A neurociência tem papel fundamental na melhoria da qualidade de vida também de pessoas com transtornos específicos da aprendizagem. A chamada aprendizagem atípica é uma condição neurobiológica persistente que afeta a aprendizagem e o uso das habilidades acadêmicas de um indivíduo, segundo a Profª Flávia Lage.
São alterações que colocam o rendimento do indivíduo abaixo do esperado para a idade cronológica e persistem por mais de seis meses. “As ações mais importantes para a inclusão dos estudantes atípicos são a implementação de adaptações pedagógicas individualizadas e a capacitação dos educadores para o correto e científico acolhimento. Eles apresentam funcionamento cerebral diferente e necessitam de acolhimento especializado, sem discriminações”, define.
A realidade do amparo faz parte da vida de Roberto Salles Teixeira, que atua na área educacional, com atendimento especializado e inclusão escolar. Ele é pai da Elisa, de nove anos, que transita de forma neurodivergente no espectro autista e possui necessidades especiais de aprendizagem e de interação nos ambientes familiar e escolar. Egresso do curso da pós-graduação em Neurociência, conseguiu ver os benefícios da área de conhecimento em seu trabalho e na vida pessoal. “Minha filha está no ensino regular, em uma escola municipal, e o processo de inclusão e interação entre os colegas é fundamental. No convívio entre eles, seja com desenvolvimento típico ou atípico, os pares sempre auxiliam uns aos outros. Há um ganho real na qualidade de vida dos envolvidos. O estimulo social é importante para o desenvolvimento humano de forma geral. Uma criança típica acaba estimulando uma criança atípica. Quando a escola sabe conduzir isso, o aprendizado melhora no geral, para todos. A consolidação da aprendizagem é sempre multifacetada”, compartilha.
Maria Juliana Sampaio também atua com aprendizado infantil. Ela é terapeuta ocupacional e trabalha com bebês, crianças e adolescentes com atrasos no desenvolvimento ou dificuldades de coordenação, além de atuar com pessoas que possuem síndromes, lesão cerebral e outros transtornos do neurodesenvolvimento. “Meu trabalho é entender claramente e fisiologicamente porque algumas crianças se comportam/aprendem ou se relacionam de determinadas maneiras. Dessa forma, posso direcionar as melhores estratégias de ensino/aprendizagem e ajudar a família a adotar estratégias mais eficazes no relacionamento com a criança e adolescente”, afirma.
A relação de Juliana com a área da neurociência e com especificidades do funcionamento cerebral começou por um motivo bem pessoal. “Meu pai foi um advogado brilhante. Ele sempre contava casos do tempo em que se acidentou de carro e ficou em coma. Ele teve que fazer reabilitação por dois anos. Como cresci escutando essas histórias, optei por estudar a parte de reabilitação neurológica”, compartilha.
A Profª Flávia, no entanto, alerta para o grande caminho relacionado à aprendizagem inclusiva. “Apesar dos avanços nos conhecimentos relativos às estratégias de acolhimento dos estudantes, ainda há muito a ser percorrido. Investimentos são necessários na formação inicial e continuada dos educadores quanto aos conhecimentos neurocientíficos e na estruturação de políticas públicas eficazes em estabelecer parceria entre os sistemas de saúde e educacionais”.
E na esteira das necessidades, um cenário é positivo. Financiamentos maciços, para as próximas cinco décadas, apoiam a implementação de neurotecnologias inovadoras para entender melhor o cérebro e fomentam a pesquisa na interface das neurociências e da computação, o que abre possibilidades para melhorar nossa compreensão da fisiologia, do neurodesenvolvimento, das alterações, dos mecanismos plásticos e das patologias cerebrais e vislumbrar novos caminhos terapêuticos, intervenções e aprimoramento das propostas de inclusão.
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